Assuntos de Escrita - E-books: o futuro ainda não chegou, mas está já ali, ao virar da esquina

Assuntos de Escrita é uma rubrica deste blog, que conta com a colaboração de outro blogger, todos os meses, para nos falar de um assunto relacionado com a escrita. Este mês foi convidada David Sobral, que pode encontrar no blog Da Tugalândia a Guinsberg a bordo de um Taquião ou nos outros que também mantém.

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E-books: o futuro ainda não chegou, mas está já ali, ao virar da esquina




A ideia não é de todo nova. Qual? A de ler livros sem ter que andar com resmas de papéis atrás. Cortam-se menos árvores, gasta-se menos tinta, polui-se menos, e podemos ter na mão, em pouco mais de uma centena de gramas, uma biblioteca inteira à nossa disposição. So why not give it a try?



O problema, claro, é que a mudança de um hábito tão enraizado em nós nunca é fácil. Não só porque nos habituámos (ou pelo menos tentam/tentavam habituar-nos) a ler, fisicamente, livros “palpáveis”, mas também porque a imagem romântica/idealizada de lermos num final de noite, numa praia, à lareira ou seja lá onde for que cada um de nós imagina ou sonha com, tem sempre uma brisa de magia e um perfume que não se cheira nem se sente a não ser com um livro “a sério”. Daqueles com papel. Capa. Páginas. Cheio a papel. E a tinta.
Talvez seja a sensação que associamos ao cheiro do papel. Talvez o acto de passar uma página, de a sentir por entre os dedos. O som do dobrar do papel! O conforto de “ter” um livro, de lhe ver a capa, de o saber prontinho a ser lido, na mesa de cabeceira ou numa mala que preparamos. Não há nada que substitua esta ideia, esta imagem.



Não é de estranhar, portanto, que mesmo sendo em princípio uma ideia útil, ecológica, e capaz de fazer chegar livros muito mais rapidamente seja onde for, que os e-books, e em particular os e-book readers (até porque os e-books, na prática, não são mais do que código binário - é por isso que, em muitos países, os e-books pagam o IVA como se fossem programas informáticos!), tenham demorado tanto a começar a ser uma forma significativa de a humanidade ler. Ler a sério, com prazer. Uma verdadeira alternativa ao livro “tradicional”. Fazendo eu parte do grupo que gosta de folhear, ler e ver fisicamente os livros, e que nunca gostou necessariamente de ler coisas no computador, confesso que também eu era um “e-book-céptico”. Até ter experimentado um Kindle.



E em relação a isso vou ser muito directo, até porque as razões pelas quais utilizar um e-book reader como o Kindle o tornam uma alternativa a considerar para ler um livro são muito simples. O “aparelho” é mais leve do que qualquer livro comum, as “páginas” podem ler-se mesmo sobre a luz mais intensa que se possa imaginar (solar ou não). O visor não tem “brilho”, não cansa a vista, e pode ter-se, na mão, e em segundos, um de centenas de milhares de livros de todo o mundo. Incluindo os acabadinhos de sair. Já para não falar no facto de os livros serem, em regra, muito mais baratos que a edição de papel, e existirem milhares e milhares de títulos gratuitos.



Mas há muito mais, e acho que é neste mais que está algo ainda mais interessante. Não só para leitores, mas sobretudo para autores, e em particular para os autores “não-convencionais”. A sério: finalmente é possível a um autor verdadeiramente “zé-ninguém” publicar o seu livro e colocá-lo à venda num mercado com milhōes e milhões de clientes, sem gastar um único cêntimo, e em pouquíssimas horas. É verdade que o potencial só é verdadeiramente concretizado (neste momento) para a língua inglesa, mas com a “explosão” do mercado brasileiro, e a criação para breve de uma loja amazon em português (embora centrada em português do Brasil), o futuro imediato vai trazer ainda mais possibilidades para os escritores e leitores de língua portuguesa.



Para os leitores de e-books isto traz e trará cada vez mais vantagens: mais títulos, mais diversidade, e possibilidade de encontrar livros que, num circuito “tradicional” de filtragem de livros, nunca seriam publicados/nunca estariam disponíveis. E o facto de todas as plataformas funcionarem eficazmente através do feedback de leitores, dá ao leitor um conjunto de opiniões que são muito mais realistas e espelham a diversidade de opiniões de uma maneira muito mais útil do que o “marketing positivo” utilizado pelas editoras, de apenas colocarem uma ou duas palavras (e.g. “fantástico, imperdível”) sobre o livro, escritas pelo jornal x ou y. Por outro lado, os autores têm controlo directo sobre o preço de venda, e podem concorrer directamente entre si, o que faz com que uma grande parte dos livros se possam vender a cerca de 1 euro cada.



Como é óbvio, e dada a inércia imensa da humanidade para qualquer mudança, nada disto significa que o mundo dos livros em papel está em risco de desaparecer, pelo menos nos próximos 10-20 anos. Mas neste momento, ignorar todas as possibilidades e vantagens que os e-books trazem é profundamente limitador, não só para autores (sobretudo “desconhecidos”), como para leitores.



O futuro ainda não chegou, mas está já ali, ao virar da esquina.

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