Não, hoje não consigo.

Mais despedimentos. Todos os dias há despedimentos neste país (e com certeza em países quase semelhantes a estes). Hoje os despedidos foram jornalistas, pessoas que se esforçavam por nos informar. As notícias serão mais pobres a partir de hoje, mas parece que isso não interessa muito. Afinal os jornais são um negócio. Afinal tudo é um negócio. Talvez amanhã a primeira página seja o novo corte de cabelo de uma coqueluche futebolística. E da Grécia, que já não sabíamos de nada, agora ainda menos saberemos.
Lembro-me tão bem de um suplemento de um jornal, naquela altura já reduzido a uma página, ter sido reduzida a meia. Para a publicidade, para o dinheiro. Porque o jornal precisava de dinheiro, naqueles primeiros tempos da selvajaria. Porque meia página para jovens era mais do que bastante.
Esses jovens hoje têm a minha idade, trintas. E o jornal cortou, aos poucos, a nossa razão de escolha para que, emocionalmente, ele fosse sempre o nosso número um. Pensaram alguma vez que teríamos trinta, quarenta, que seríamos compradores de jornais? Talvez não... Na altura éramos só uns miúdos.
E para os miúdos de hoje não há nada. Mas eles terão trinta, quarenta, que muito provavelmente serão feitos noutra latitude.
Hoje foram os jornalistas, ontem foram agricultores, professores. Amanhã talvez sejam os médicos e os padeiros. Os jornalistas não tocam mais nos corações que os outros. Mas afinal fala-se deles porque são eles que fazem as notícias. Ninguém toca mais no coração que os nossos: e estes jornalistas serão pais, filhos, irmãos...
Estou a ler o livro de Naomi Klein, e talvez por isso tudo me assuste mais, me agudize mais. Mas o que assusta mesmo é pensar que estes empregos nunca serão recuperados. Estes jornalistas, muitos já não serão novos, sairão do país. Alguns terão lugar no estrangeiro. Outros não.
E no meio de tudo isto não se encontra uma notícia sobre as pensões dos gregos que não seja em blogs de teorias da conspiração. Ou em grego, mas de grego moderno eu não percebo nada.
E nós não fazemos nada? Quanto a estes talvez já não possamos fazer nada. Mas, e os outros? Os desempregados do futuro, pelos quais podemos ainda fazer alguma coisa?
E continuaremos sem exigir uma informação decente, preferindo a distracção do próximo jogo de futebol?
Posso eu ir para casa e me dedicar a uma leitura guilty pleasure? Posso ir escrever e pegar no meu conto de raparigas, escritoras e suicídios? Não, hoje não consigo.

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