In Largo das Portas do Sol (Lisboa)

Lisboa e o Tejo,
Abel Manta
Relaxo sentada num misto de olhar e sentir. O vento sopra fresco e adivinha a noite, mas quando acalma, deixa o sol aquecer a pele, sol que ainda brilha nesta tarde de fim de primavera.
O rio parece um mar à primeira vista, mas vislumbra-se a outra margem debaixo de uma ténue bruma.
Ainda na outra noite, de Santo António, andei meio perdida nas ruas de Alfama: a confusão da multidão humana não me permitiu aproveitar a doce arquitectura daquilo que é realmente a Lisboa portuguesa, a Lisboa antiga.
O cheiro da brisa vinda do rio, o sol ameno, a luz e o céu azul de primavera. O som dos pássaros entremeia o som dos eléctricos a passar nos carris.
O meu corpo está cansado de andar (hoje) e os meus olhos de estudar (sempre). O meu espírito pesa em sentimentos. A alegria, a aventura, a solidão. Sei que estou só. Aqui e sempre, mesmo que agora alguém estivesse ao meu lado, eu estava só. Contudo parece que é isso que me dá alento à vida. Que me dá força: sentir-me uma pedra que escolheu o caminho para rolar da encosta abaixo.
A visão oposta: ver o rio e os barcos a passar...Quando venho de comboio para Lisboa tenho de atravessar o rio de barco e ganho a oportunidade de ver a cidade de uma prisma único, sagrado. Como se tivesse sido construída para as vistas das ninfas do rio. E estar aqui, deste lado da cidade, faz-me parecer parte da paisagem. Quando olho o rio, estou a espreitá-lo, a cometer o sacrilégio de vê-la.
Quem sabe encontre uma ninfa que tenha tirado a sua cabeça do rio para espreitar. E podia fazer daí um conto. Eu transformar-me ia no homem vestido de negro, de feições nobres e alma perdida, que ficaria sentado na mesma cadeira onde eu estou, a observar: veria a ninfa e escreveria sobre ela. Talvez se atrevesse a procurá-la. Mas a ninfa, assustada, fugiria (e arrepender-se-ia o resto da vida) e ele partiria, sem nunca mais ser visto nas ruas de Lisboa.
Devia ficar quieta, a continuar o meu papel de estátua, mas a vida espera-me e tenho de ir.

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