Recordatio ad Portum




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No Porto tudo foi novidade para mim. Não só por nunca ter lá ido: também por me ter deparando com um mundo do qual desconhecia existência tão bela. Pertencente a outro hemisfério, sem nada de Mediterrânico, ou de Europa Central. O Atlântico absoluto, ali, a um estender de dedos. Totalmente novo, a descobrir, a chamar curiosidade, a pedir que eu tocasse e aprendesse todos os cantos da cidade. Lisboa de algum modo pertence-me, tenho algo dela em mim. Sendo-me o Porto exterior, tive o desejo de também ele me pertencer.
No Cais da Ribeira, eu sentada, perdi a noção do tempo, absorta a observar as cores dos prédios que invadiam a esplanada e o rio. Era manhãzinha, e estava vazia. Fechei os olhos para sentir a frescura do Douro e ouvir as gaivotas, que atrevidas, tratavam o Porto como uma continuação do rio.
Esquecida da minha existência, delirei a ouvir a manhã. Isolei os sons da cidade e tentei ouvir o que havia para além dela. O trânsito não oprime os gritos das gaivotas. Ouvia-as voar, fazer vôos rasantes aos meus ouvidos. Contudo elas estavam longe. Eu reagia como alguém habituado a Lisboa, ao barulho de Lisboa, a raramente ouvir os sons para além de uma cidade.
Silêncio. Sei que quando digo silêncio o destruo.
Silêncio. Sendo impossível em qualquer sítio, quer no Alentejo ou na minha mente, foi o que me pareceu ouvir no Porto.
Silêncio da cidade. As pessoas percorrem as ruas, a pé. Muitas. Fazem as compras da manhã. Os turistas passeavam pela cidade, o trânsito percorre as ruas. Não. Não é o silêncio. É outra coisa. Mas quero-lhe chamar silêncio (porque é silêncio, o apagamento de todos os sons que reconheço em Lisboa. O trânsito. O burburinho das pessoas. As buzinas, as travagens, os aviões).
Há barulho, muito barulho. Mas um barulho diferente. Em Lisboa é a correria das pessoas que fogem, e se querem afastar de ti. No Porto é um barulho quente de gente que não receia cumprimentar desconhecidos. Havia um calor vindo do coração das pessoas ao falarem comigo. Estranhei. Senti-me em casa.
O sol acordara brilhante, iluminava o espelho do rio e dava cor às paredes cinzentas da cidade. Cinzentas de pensamentos de poetas que gastaram os seus dedos a escrever sobre dores e ritmos. O amor parece viver, ali, naquelas paredes. Um nevoeiro que me turvava a alma, fazia de mim triste e sofredora, mas obtendo um prazer doentio disso.
Entretanto ignorava a minha mãe, que achara a minha pose sublime e me tentara fotografar. A máquina não respondia. Eu comprara rolos a preto e branco, porque achei que condiziam com o romantismo da cidade, mas o destino pregara-me a partida de avariar a máquina e não pude tirar fotografias. Mas aquilo que ela tem de mais, nunca o poderia fotografar. Parecia um aviso divino a pedir-me que guardasse tudo no meu coração, porque o mais que o Porto é nunca poderia ficar guardado em fotografias. Nem nas palavras que tento descrever. É inútil. Só a alma o saberá, sentido. Não há língua, não há arte que o exprimam.
Os meus olhos guardaram com força todas as imagens, por saberem que não haveria fotografias. E o sol, que atrevido me apresentou uma cidade amena aos olhos, para melhor compreender como era amena ao espírito.

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