A um não-encontro

Sempre que passava pela parte antiga da cidade, especialmente quando a noite se aproximava, vinha-me aquele terror: quando será que o encontro? Era um terror tolo e adolescente, como eu era quando o conheci. O mais certo era já não conhecer o homem grisalho em que provavelmente ele se tornara, e ele não conhecer a mulher bem vestida e longe da fisionomia de uma adolescente em que eu me tornara.

Quando o conheci frequentava os bares da zona antiga da cidade. Já depois de ter desaparecido da vida dele, vira-o uma vez ou outra naqueles sítios, às vezes ao final da tarde, visitando as lojas, antes mesmo de fecharem.

Obrigava-me a esconder-me do seu olhar, mas o meu perseguia o seu corpo sensual até desaparecer. Fiz por deixar de frequentar aquelas ruas, mas agora por motivos profissionais voltei a frequentá-las passados quinze anos. Saía por vezes do trabalho às dezanove ou vinte horas. De inverno era de noite.

Tinha terror em encontrá-lo. Agora tinha marido e filhos, não me podia dar ao luxo de querer beijá-lo. Até porque agora não seria só um beijo…

- Desculpe. Acho que a conheço de qualquer lado. - Quando fui olhar para quem me tocou no ombro vi-o. Não estava grisalho, mas estava careca. Os seus olhos murcharam para um ângulo triste.

- Ergh… - balbuciei – deve estar enganado. – Foi o melhor que consegui dizer.

- Estou a falar a sério. Conheço-a de qualquer lado.

Só havia um modo de repor aquela situação. Suspirei fundo, arranjei coragem, e disse-lhe duramente:

- O senhor não tem vergonha? Abordar-me desse jeito, como se eu fosse uma adolescente?

Abalei. O modo como nos tínhamos conhecido começara com palavras semelhantes. Ele ainda me tentou chamar à atenção, mas eu continuei, decidida, a afastar-me dele, deixando-o atarantado no meio da rua.

© 2011


Se alguém tiver curiosidade, pode ir ler A Basílica da Nossa Senhora dos Mártires, que é uma espécie de história anterior a esta.

2 comentários:

  1. Credo. Será que isso me pode acontecer?
    Porquê?
    Será que tem tanto mal, querer voltar a falar com alguém que foi importante na nossa vida.
    Provavelmente vai ser essa a humilhação que vou sofrer quando acontecer…

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  2. Ah Benisco! Encontrámo-nos outra vez!
    Para nós é muito bom!

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