Natal no Hospital dos Vampiros



- Posso entrar? – Do lado de fora da porta soou a Charles a voz de Merhet, um dos filantropos do Hospital. A sua voz era grave e profunda, algo que ele deve ter treinado ainda enquanto vida, nos corredores das cortes Egípcias. Merhet era sempre educado. O dinheiro dele fazia rolar o Hospital, ele podia por e dispor, armar os maiores escândalos e entrar consultórios dentro sem bater às portas. Mas nunca o fazia.
- Entra, sim! – Respondeu-lhe Charles enquanto punha de lado a papelada que estava a preencher. Merhet sentou-se na cadeira do paciente, sem qualquer problema em se sentar num lugar de subordinado.
- Em Paris? Aproveitar o Inverno?
- Sem dúvida. Gosto muito de vir a Paris. – Para Merhet não podia existir um “sempre gostei de vir a Paris”. Quando ele nasceu a cidade nem existia ainda.
- Como todos os vampiros, gosto de me vir esconder nas sombras do Inverno do hemisfério norte. – Apesar de tudo, as sombras de Inverno do hemisfério norte eram mais calmas, havia muitas cidades por onde os vampiros se espalhavam. As sombras de Inverno do hemisfério sul eram mais confusas e cosmopolitas, pois os vampiros concentravam-se em Buenos Aires.
- Gosto muito de vir ver o meu hospital de Paris. E este ano estou com uma ideia. Que tal fazermos um Natal dos Hospitais?
- O quê? – Charles não podia acreditar no que estava a ouvir. Nunca imaginara que Merhet se lembrasse de tamanha saloice. – Quem há-de gostar disso é o Vladimir.
- Sem dúvida. – Sorriu Merhet. – Mas não estava a pensar em Vladimir. Estava a pensar nos nossos clientes de tradição cristã, que são a maioria. – Merhet tinha sempre em vista o negócio.
- Merhet, por favor. A maioria são ateus!
- Sim, são. Mas até os ateus comemoram o Natal. – Lá isso era verdade.
- E tinhas pensado em alguma coisa?
- Em usar a prata da casa… - O sovina… - Pensei que o Laurent poderia dar um concerto com a sua antiga banda.
Charles ficou boquiaberto e não foi capaz de disfarçar o seu desagrado. Tudo o que Laurent queria sempre ser era o centro das atenções. Já estava a imaginar o enfermeiro a pavonear-se com uma camisa do século XVIII enquanto cantava, tal como o fez quando a sua banda foi um sucesso musical nos anos 1980, antes de ter de forjar a sua morte a uns supostos 27 anos.
- A banda continua a tocar, certo?
- Sim, Merhet, concertos de tributo à morte de Laurent. Mas eles estão todos velhos e caquéticos.
- Oh, mas eles gostariam de se voltar a reunir com Laurent, com toda a certeza. Eles sabiam que ele era vampiro, não sabiam?
- Sim… - Por alguma razão no funeral, enquanto todos os fãs choravam copiosamente eles se mantinham divertidos. – Não será perigoso mantê-los aqui no Hospital? Podem ser mordidos…
- Se Laurent não os mordeu…
- Estou a perceber a ideia… Devem cheirar a sangue ruim…
Charles encostou a cabeça à secretária. Já estava a ver o filme todo: Laurent a fazer olhinhos a Ella, Ella a fazer olhinhos ao japonês, e o japonês a querer cortar o pescoço a Vladimir.
Merhet ria.

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