Espiga


Foto cortesia de Vera Lúcia Cara-Roxa
Ficava sempre triste, quando em Lisboa saía de casa distraída e completamente alheia do dia que era. Acontecia-me todos os anos. Era dia da espiga e só me apercebia quando via na rua raminhos à venda. Ficava sempre triste e desiludida comigo por não me ter apercebido da proximidade da data, que nunca me falhava no Alentejo. A verdade é que na cidade, e tão concentrada no que por lá andava a fazer, acabei por me afastar do ritmo natural de tudo, até do meu. E só havia datas que não me falhavam porque já estavam tão envolvidas em consumismo que dois meses antes já havia montras decoradas com o tema. Como no Natal.
De volta ao Alentejo o dia da espiga nunca mais foi esquecido.
Também em Lisboa tentava perceber que dia era aquele, para além dos ditames cristãos. Dia tão belo, em tudo tão pagão, um vestígio ainda não transformado com a nossa contemporaneidade urbana e capitalista. Não havia livro que me respondesse à questão. É muito menos páginas web na altura. Só temas celtas, nórdicos. Não podiam nunca responder a algo tão genuíno e português.
Mais tarde acabei por perceber, tirando um pouco daqui e um pouco dali. Outras leituras talvez me tivessem respondido, mas não tinha orientação para lá chegar.
No meio de tudo isto descobri na biblioteca da Faculdade uma edição fac-similada das "Regiões da Lusitânia" do Leite de Vasconcelos, que me fez andar a escrever com ph durante uns tempos. Foi água que me matou sede: apesar de já estar tão ultrapassado - felizmente. Mas não deixo de recordar esse livro com carinho.

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