Europa




Nunca tinha viajado. Havia a fobia óbvia dos aviões, mas nem de automóvel tinha saído. Nem mesmo sequer a Espanha tinha ido. Não que isso fosse um sinal de ser um qualquer ditador isolacionista. Era apenas uma mulher, muito medrosa. Tudo o que era exterior ao seu lar a atemorizava. Mas lá se resolvia a ir ao supermercado, à farmácia, ao centro de saúde. Vivia sozinha e já não era nova. Não tinha faltas. Nunca tivera faltas. Os pais deixaram-lhe três moradias. Habitava uma e vivia das rendas das outras duas. Convivia pouco. Tudo o que estava das portas para fora a atemorizava. As pessoas atemorizavam-na. Nem sequer com um padre gostava de conviver, e as idas à missa faziam-se rápidas. Chegava antes das leituras e abalava depois da comunhão.

A sua expansão eram os livros, para si seguros, porque as histórias estavam presas no papel. Assim conheceu Londres, Paris, Amesterdão, Veneza, Istambul. Assim namorou, casou, teve amantes. Assim sofreu, chorou, se cansou, teve amizades, provou comida e bebidas. Assim conheceu o mundo, numa pequena poltrona perto de uma janela com luz que dava para o quintal.


Esta pequena narrativa foi publicada no nº 19 da revista digital Incomunidade, como podem verificar pelo link, em janeiro de 2014.

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