A rainha das mulheres selvagens


Ele encantou-se com ela, a garota selvagem no meio das garotas fidalgas. Todas elas se tinham aprumado para receber o príncipe com galanteios. Os seus corpos, vestidos e penteados eram perfeitos. Cada uma era mais bela do que a outra, mas os seus olhos iriam bater nos da garota selvagem. Ela também se tinha arranjado, mas do modo que era seu, pois a ocasião era solene. O vestido era andrajoso, não estava maquilhada, e o seu cabelo mantinha-se solto, apesar de penteado. O seu cabelo era lindo, parecia a crina de um cavalo, o que fez logo a sua imaginação delirar, com uma imagem das suas mãos agarradas àquele cabelo, e do seu corpo sobre o dela. Ela não o foi cumprimentar. Foram as outras que o fizeram.

 

Ele galanteou uma a uma, como era a sua obrigação, e com elas dançou. Mas durante toda a noite olhou para a garota selvagem, que sorria como nenhuma daquelas poderia sequer sorrir. O sorriso era sincero e rasgado, sem temer o franzir das bochechas e dos olhos, sem esconder os dentes desalinhados. Já tinha ouvido falar das selvagens, dos seus corpos livres que podiam mover-se como queriam. Podiam até não ser tão graciosos como os das donzelas cuidadas, que muitas das vezes até os apertavam em vestidos para parecerem mais elegantes do que realmente eram. Sabia que aquelas garotas se podiam dobrar, sentar de pernas cruzadas, abaixar-se de pernas dobradas, arquear as costas só pelo prazer de as ouvir estalar.

 

- Concedeis-me a honra de uma dança? – Pediu-lhe ele, no final da noite, depois de dançar com todas as outras.
- Não danço estas danças. Só danço as danças da lua.
- Nua? – Atreveu-se ele.
- Se a noite não estiver fria. – Mas a noite arrepiava. Mesmo assim foram para o jardim do castelo dançar uma dança infantil que consistia em rodopiar o corpo até que não aguentassem mais as tonturas, e rir muito.
- Ah tanto tempo que não me divertia tanto. – Confessou ele. E depois fizeram amor debaixo de uma árvore. E ele pode prender as suas mãos nos seus cabelos de crina de cavalo, mas ela não deixou que ele colocasse o seu corpo sobre o dela. Preferiu o contrário, para que pudesse arquear as costas à sua vontade, e esticar os seus braços.
- Fica comigo no palácio. Sou o príncipe, caso com quem eu quiser.
- E eu sou uma amazona, a rainha das mulheres selvagens. Estou apenas de viagem. Perdi-me nos teus olhos, mas eles não entraram no meu coração. As rainhas selvagens não querem homens galantes nem fortunas. Muito menos palácios que parecem prisões. As rainhas selvagens não querem donos, mas também não querem serventes. As rainhas selvagens querem um companheiro que durma com elas uma noite numa praia selvagem. Que as acompanhe a subir montanhas e a explorar os oceanos. As rainhas selvagens não querem um homem que lhes plante um filho na barriga, mas que o faça aparecer como que por magia.

 

No outro dia de manhã a rainha das mulheres selvagens partiu montada no seu cavalo alado para terras estrangeiras. E o príncipe nunca mais ouviu falar dela.


Esta pequena narrativa foi publicada no nº 47 da revista digital Incomunidade, como podem verificar pelo link, em julho de 2016. 

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