Assuntos de Escrita - Entrevista a Napoleão Mira

Assuntos de Escrita é uma rubrica deste blog que conta com a colaboração de outro blogger para nos falar de um assunto relacionado com a escrita. Este mês foi convidado Napoleão Mira, natural de Entradas, Castro Verde, autor dos livros Fado e de Ao Sul e do blog Pulanito.

Entrevista a Napoleão Mira por Olinda Gil

Não é todos os dias que conheço alguém ainda mais falador que eu. Para dizer a verdade, contive-me muito, até porque eu era a entrevistadora (nem faria sentido de outro modo). A tarde de domingo foi uma tarde muito bem passada, a conversar sobre livros e sobre escrita na avenida principal da vila de Entradas (e que é também um jardim). Agradeço muito ao sr. Napoleão pelo tempo que me cedeu e pela fantástica entrevista, feita inicialmente via internet, mas que terminou presencialmente. A entrevista acaba por ser apenas uma amostra de tudo o que falámos, mas o discurso foi demasiado fluido para que conseguisse passar tudo para o papel (ou neste caso, para o ecrã).

Para iniciarmos a nossa entrevista, poderia contar o seu percurso na escrita antes de Fado?
Desde muito cedo que a escrita faz parte da minha existência. Na minha juventude participei nalguns projectos amadores. Publicações policopiadas de reduzida tiragem que me deixou o gosto pela divulgação dos meus escritos, ao tempo apenas poesia. Depois escrevi muito (como a maioria de nós para a gaveta!). Seguiu-se um interregno de muita vivência e pouca escrita, até que em 1998 decidi publicar em Entradas uma pequena revista que se veio a chamar O Trigueirão. Esta revista durou apenas dois anos, mas desde então não mais parei de escrever.
Incentivado pelo meu amigo António José Brito, fui tendo espaço nos órgãos de imprensa por onde este passou e para onde me convidava. Jornal O Campo, Diário do Alentejo, Correio Alentejo e Revista 30 Dias. Criei ainda o blogue Por Aí, inicialmente apenas para relatar as minhas viagens em bicicleta, mas que ainda subsiste apesar de uma menor intervenção da minha parte.
Em 2010 publiquei o livro de crónicas Ao Sul, uma obra resultante das publicações no blogue.
Em 2011 começou a germinar na minha cabeça a concretização de um projecto em forma de romance. Desse ruminar de ideias surgiu a obra Fado.

De onde veio a ideia para o livro? Ouviu de alguém a história, imaginou ou conjugou os factores?

A ideia para o livro surgiu de uma crónica que publiquei no primeiro número do Trigueirão. Tratava-se de um pequeno conto acerca dum emigrante, que tinha a meu ver, um final avassalador, final esse que reutilizei neste romance e que foi o ponto de partida para a escrita deste projecto literário.
A história foi crescendo dentro de mim, à medida em que os personagens nasciam e ganhavam vida. É claro que tinha um fio condutor para a história. Preservar a memória duma epopeia que se começa a esvair no tempo era também para mim altamente motivador, e assim, contar aos leitores a saga daqueles que, para ganhar a vida, tiveram um dia, que partir à procura dela pela calada da noite.
O tema era para mim fascinante, heróico até!
O argumento é imaginado, mas é, obviamente, influenciado pelos relatos que conhecia, que fui ouvir, pela pesquisa histórica do fenómeno e pelo desejo de escrever sobre um tema tão apaixonante e de que tão pouco existia no registo de romance.

Que pertinência ainda tem este tema nos nossos dias?
Na altura fazia mais sentido porque a situação política do país assim obrigava. Hoje em dia volta a haver emigração porque voltou a não haver oportunidades de emprego. Houve grande heroicidade nesse acto, o romance é louvor a essa memória. Continua a ser pertinente, apesar de circunstâncias diferentes, não só pela memória mas também porque o tempo de hoje voltou a ser tempo de partir.
Porquê uma narrativa passada no norte e não no sul?
Porque esta epopeia, sendo de todo um povo, é nas Beiras e em Trás-os-Montes que tem o seu epicentro. É aí que este drama tem o seu maior impacto no que diz respeito à emigração clandestina para França. Se repararmos a emigração a sul, é nestes anos sobretudo interna. A que se destina a outros países é organizada e legalizada já que os países de acolhimento não aceitavam clandestinos, nomeadamente a Suíça ou a Alemanha.

Como foi a abordagem junto das editoras para publicar o livro?
Para ser franco nem sequer o tentei. Preferi criar eu uma pequena editora, com os meus canais de venda, nomeadamente nos terrenos que conheço e através da Internet. Bem sei que venderei menos, que chegarei a menos leitores, mas sou eu que controlo o produto livro de A a Z , que assumo riscos e proveitos.
Reconheço que não tenho meios para chegar ao território natural do livro, o norte de Portugal, mas depois de sete meses no mercado as solicitações continuam a chegar e o livro sobrevive por si. Demorará mais tempo é certo, mas tem o seu gozo fazer paulatinamente o caminho a que está destinado. Gosto que os leitores descubram o livro e quem o quiser adquirir facilmente o poderá fazer através da Internet, a um preço mais barato que nas livrarias da moda, onde nem sequer me quiseram ouvir.
Tiques de monopolismo, que só me dão razões para os combater!

Como tem sido a experiência dos lançamentos dos livros e do feedback dos leitores?
Muito bom. Como não vivo da escrita, estou de algum modo satisfeito com os resultados. O Fado vai para a 2ª edição e é uma obra sobejamente conhecida. Em Castro Verde e Ourique é objecto de contrato de leitura nos agrupamentos escolares de Castro Verde, e segundo me dizem, de Ourique também . Hoje mesmo (01/12) tive uma interacção com alguns destes alunos que me colocaram questões verdadeiramente pertinentes acerca do mesmo. É isso que me realiza e me dá forças para continuar.

Como tem sido a gestão do blog depois de Fado?

O blogue Por Aí (2006), foi criado para durar enquanto andasse de bicicleta "por aí", mas os leitores fizeram com que se mantivesse ao longo dos anos. Com a chegada das plataformas da moda, os blogues foram um pouco relegados para as ruas secundárias da rede das redes. Irei continuar a publicar nele, mas de momento estou numa fase de recolhimento na minha concha; daí a pouca produção.

Será demais perguntar por projectos futuros?
O sonho comanda a vida, pelo menos a dos sonhadores, e eu, como bicho raro desta estirpe, hei-de continuar a sonhar. Hei de continuar a escrever. Estarei no próximo dia 5 no Clube da Palavra do Canal Q com alguma da minha poesia musicada, acabei de produzir um disco (que é um objecto cultural de relevância) para as Ceifeiras de Entradas, irei fazer algum spoken word por aí e em 2013 voltar a publicar novo livro de crónicas. Novo romance lá para 2014.

Sem comentários:

Enviar um comentário