No consultório de psicologia

- Posso entrar? - Pediu o adolescente cheio de borbulhas a espreitar pela porta entreaberta do consultório de psicologia da Dr.ª Ella. Reprimiu o tique que tinha de agitar o pescoço e fazer os seus cabelos negros brilhantes voarem. Não o podia fazer à frente de um adolescente. Era impróprio. Ia-lhe provocar sensações que, em primeiro lugar, poderiam comprometer o relacionamento com o paciente. E em segundo lugar a última coisa que ela queria era um adolescente apaixonado por ela. Gostava de vampiros maduros, com, no mínimo 100 anos de transformados e 40 de aspecto. Encostou-se à secretária pouco natural, pois a sensualidade era intrínseca para si. Todo o seu corpo voluptuoso, escondido pela bata, era um exagero à frente de um vampiro tão jovem.
- O que o trás por cá?
- Bem, eu... ergh... Desculpe... Nunca tinha vido a nenhum psicólogo, nem sei bem por onde começar.
– Não tens de pedir desculpa. - Olhou novamente a ficha do jovem. MetalD. Que raio de nomes com que ultimamente se costumavam baptizar. Olhou melhor para ele e concluiu que tinha mais ar de agarradinho aos computadores do que fã de "Metal". Bem, o aspecto não queria dizer nada.
– Costumam fazer-te perguntas tontas?
– Costumam. - "Oh que raio de conversa. Sê paciente, conta até 10, respira fundo" pensou Ella para consigo própria. Na ficha médica estava assinalados os dois anos de transformado. Tão jovem das duas maneiras. E adolescente! Não sabia o que era pior: se um vampiro criança se um vampiro adolescente.
- Estamos aqui para falar de ti. Seja que problema for não é eterno como tu. Os vampiros têm grande capacidade de adaptação. Se assim não fosse, como poderiam viver eternamente? Porque quiseste vir aqui?
– Ergh… Bem… Sabe… Tenho vergonha… - MetalD baixou os olhos. Parecia estar a ser sincero.
–Vergonha? De quê? Um vampiro não deve ter vergonha de nada! - Depois de ter disparado esta frase com a voz mais alta do que devia arrependeu-se. Tinha de ter calma, era o que se exigia naquela profissão. Mesmo que não gostasse de pacientes tão novos.
– Sou um vampiro muito recente.
– Compreendo. É uma fase muito difícil. A adaptação à essência de vampiro… Mas não tens de ter vergonha.
– Sim. Mas não é isso. Eu… ah… - Ele parecia não conseguir-se expressar. - Sou um vampiro deste século. Fui transformado há dois anos.
– Os meus parabéns! Já passaste a pior fase, que é o primeiro ano. Agora que controlas os teus instintos, só tens de te concentrar em aprender o máximo que puderes. Nunca tenhas vergonha de ser recente!
– Não é isso!... Eu era muito jovem quando fui transformado. Um adolescente. Se calhar ainda o sou.
– Um vampiro não se mede pela idade que tinha antes de ser transformado, mas pelos anos que passa depois da transformação. - Agora Ella sentia que já estava a conseguir concentrar-se no seu trabalho de psicóloga.
– É que… Você não faz ideia.
– Se não me disseres não faço. São borbulhas?
- Não. - E o jovem vampiro mostra o maior sorriso amarelo forçado que se pode imaginar. - É o aparelho nos dentes.
–E?
– Agora não sai!

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