Sabia que era guerra, apesar de haver muitos anos que o seu povo se dizia em paz. Mas a paz era para os senhores, não para o povo. O povo continuava a trabalhar de sol a sol e a passar fome. Os senhores continuavam de barriga cheia e a gastar tempo a rezar aos deuses que os acolhiam. A guerra continuava em todas as casas. Na luta pela saúde e pela alimentação. Na resistência diária às acusações e pancadas saídas das mãos dos homens. Nas mãos do seu pai, na voz dos seus irmãos. Dos vizinhos, e claro, dos senhores. Porque as roupas finas não os tornavam diferentes de ninguém.
Naquele final de tarde foram trinta. Vinham bêbedos e irritados da vida pobre que tinham. Apanharam-na, prenderam-na e fizeram dela o que quiseram. Um por um.
Ficou a morrer de si estendida na rua. Morreria o seu corpo também pelo sangue esvaído. E no dia seguinte a culpa seria sua, porque estava na rua perto da tasca ao final do dia.
Esta pequena narrativa foi publicada no nº 47 da revista digital Incomunidade, como podem verificar pelo link, em julho de 2016.
Sem comentários:
Enviar um comentário