A viagem de comboio



Não era com frequência que o sonho se repetia, mas repetia-se. Sonhava sempre que andava de comboio, por linhas que sabia não existir. Em comboios desactivados há muito.
Sabia apenas que o destino dessas viagens era voltar para casa. Não sabia de onde vinha, não sabia o que fora fazer.
O comboio atravessava um deserto que ela sabia não existir. Num sítio, onde, na realidade, passa um rio e a paisagem é verdejante. O comboio dava muitas voltas para chegar ao destino. O seu percurso, por vezes, assemelhava-se mais a uma montanha russa que à linha de um comboio.
No final o comboio nunca conseguia chegar. Umas vezes era porque a linha terminava. Outras era porque não havia estação.
Sentia-se sempre estranha quando tinha este sonho. Acordava com uma terrível sensação de incompletude. Esforçava-se para afastar o sonho da sua mente e para evitá-lo comparar com a sua própria vida.
Ao primeiro olhar o sonho parecia não lhe dizer nada, mas dizia. Apesar de nunca dali ter saído, de nunca ter viajado, de não conhecer outras terras, o sonho gritava-lhe pela sua incapacidade de fazer o que fosse da sua vida. Os anos passavam e nada nela havia de obra. Deixara os estudos incompletos, nos empregos não renovava contratos, encontrava amantes mas não namorados. A sua vida ora parecia uma linha incompleta ora parecia que não tinha estação para onde ir.

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