O Natal do vampiro Charles

Era Natal. A cidade-luz apresentava-se, como sempre, galardoada com enfeites de Natal que traziam turistas de todo o mundo.
Charles seguia a pé para o Quartier Latin, onde morava, tentando ignorar o cheiro a sangue que era mais intenso naquela madrugada. Não festejava o Natal, não só porque fora judeu antes de ser ateu (o que ele já não sabe é se foi ateu por ser vampiro, ou não), mas também o detestava. Sempre detestou os sorrizinhos que os humanos gostavam de trazer estampados no rosto naquela época, por muito miseráveis que fossem as suas vidas. Detestava presépios, velas e missas do Galo. E detestava ainda mais o Natal moderno: iluminação colorida, árvores de Natal, Pai Natal (esse então, odiava), consumismo desenfreado.
O pior de tudo é que aquela época do ano lhe trazia uma nostalgia cuja origem desconhecia. Se calhar era pelos malditos sorrisos ou por ver as pessoas na rua a abraçarem-se umas às outras.
A madrugada de 25 de Dezembro estava calma. Os humanos refastelavam nas camas os seus corpos empanturrados em iguarias calóricas. Não era noite para noitadas, para bêbedos dormindo nos bancos de jardins e jovens raparigas acabadas de perder a virgindade. Só havia os mendigos, mas estes conheciam Charles bem demais para saber que ele não os mordia.

Antes de entrar em casa pegou no telemóvel: ainda era tempo de telefonar a Ella, na eterna esperança de poder empurrar o seu corpo esguio e curvilíneo contra uma parede. Sim, naquela noite estava assim: bruto.
Mas Ella não atendeu. Possivelmente teria ido comemorar o Natal com o louco do enfermeiro Laurant. Ou não, esperava que Ella fosse mais esperta que isso.
Abriu a porta de casa. Apetecia-lhe ir ligar a aparelhagem, por a tocar o seu adorável Bach, e enfiar com um Prosac dentro de uma caneca de sangue aquecido no micro-ondas.
Pelo contrário, soou-lhe um qualquer músico dos nossos dias, daqueles que ele não conseguia distinguir a voz.
- Amigo, Feliz Natal!
- Oh não, por favor, não comemoro o Natal. - Era Jean, o seu amigo humano dramaticamente imune a vampiros. Talvez a única coisa boa que Laurent tenha feito em dois séculos e meio de existência. Jean estava em pijama e pantufas e aparentava ter visto filmes romanticos durante toda a noite.
- Mas comemoro eu, e não o quero comemorar sozinho.
- Já comemoraste sozinho. O dia está quase a nascer! Que horror, cheira a comida! Cozinhaste?
- Já jantei, não te preocupes.
Jean finalmente adormece no sofá. Charles não tinha sono e ficou ao lado de Jean, enquanto via desenhos animados, a única coisa que dava aquela hora na televisão. Sem esquecer o seu sangue com Prosac.

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