Assuntos de Escrita. Todo o homem deve escrever um livro?

Assuntos de Escrita é uma rubrica deste blog, que conta com a colaboração de outro blogger, todos os meses, para nos falar de um assunto relacionado com a escrita.Este mês foi convidada Ana C. Nunes, autora dos blogs Asas da Mente (Mind's Wings), Floresta de Livros e Caneta, Papel e Lápis


Todo o homem deve escrever um livro?



Há um ditado popular que diz “Todo o homem deve ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro”. Mas até que ponto fará isto sentido?

É bem verdade que qualquer pessoa pode ‘escrever' um livro, desde que saiba escrever (ou falar para um software de reconhecimento de voz), mas será que todos temos um livro dentro de nós? E mais que isso, será que todos sabemos realmente como fazê-lo?

Se o português comum lê dois ou menos livros por ano, como é que há tanto quem diga ser escritor?

Uma das regras universais de como escrever melhor é a seguinte: “Leia muitos livros”. Não precisa ler um livro por dia, nem um por semana. Mas que tal um por mês? Ou meia hora por dia de leitura. Não sabe o bem que lhe fazia.



Não concordo com quem apregoa que devemos ler todos os clássicos, todos os livros do nosso género de eleição, nem coisa que se pareça. Aliás, deve-se diversificar a leitura. Explorar novos géneros, novos autores, novos conceitos narrativos. Só assim sorvemos a beleza da multiplicidade literária e só assim percebemos o que está bem feito e o que está mal feito. Quanto mais lemos, mais percebemos os erros comuns dos outros (que possivelmente queremos evitar) mas também a mestria e, quem sabe, a melhor técnica para a alcançar.



Quando escrevi o meu primeiro livro, tinha eu quinze ou dezasseis anos, pensei que tinha escrito a oitava maravilha do mundo. Felizmente não caí no erro de o tentar publicar (não que me pareça que alguém o tivesse feito). Na altura eu lia com razoável frequência, mas as minhas leituras estavam muito centradas na banda desenhada ao estilo americano (super-heróis), daí que não seja grande surpresa dizer que as minhas primeiras ‘obras literárias’ pouco mais eram do que histórias de super-heróis onde a protagonista nada mais era que um alter-ego.

Depois de três ‘livros’ escritos na adolescência e muitos que ficaram a meio, deixei passar uns anos em que pouco mais escrevi  que guiões de banda desenhada. Entretanto fui lendo. Primeiro aos poucos, meia dúzia de livros por ano, depois mais e mais, até que ganhei um verdadeiro gosto pela leitura literária. Quando percebi que o gosto pela leitura, também o bichinho da escrita regressou. Comecei por contos e mais tarde voltei aos romances. A diferença era notória!

Nessa altura decide ‘correr riscos’. Tinha lido sobre um desafio que à partida quase parecia impossível: escrever uma história com 50.000 palavras em 30 dias consecutivos. O desafio dá-se pelo nome de NaNoWriMo (National Novel Writing Month) e acontece todos os anos no mês de Novembro. Tinha medo de falhar mas impelida pelo desejo de me superar e de experimentar, aceitei o desafio e em Novembro de 2008 escrevi mais de 51.000 palavras (cerca de 175 páginas). Não morri, não deixei de dormir nem de viver e consegui cumprir o desafio. Escusado será dizer que voltei a fazê-lo em 2009, 2010 e 2011 e sempre com um emprego a tempo inteiro (excepto em 2008).

Claro que depois disso ainda muito houve para fazer: rever, reescrever, voltar a rever, voltar a reescrever até que a história esteja perfeita (ou o mais perto da perfeição que nos atrevemos a alcançar)

O NaNoWriMo não será certamente o método ideal para toda a gente, mas funcionou comigo. Desde finais 2008 escrevi 6 romances (três dos quais com mais de 80.000 palavras). Este desafio ensinou-me e deu-me muitas coisas, mas acima de tudo ensinou-me disciplina.

Quem gosta realmente de escrever e quer ter algo para ‘mostrar’ pelo seu esforço, mais tarde ou mais cedo terá de arranjar uma disciplina. Não precisam escrever todos os dias (embora tal seja sempre aconselhável), nem necessitam deixar de ter vida social (a ideia do escritor trancado em casa com ópio e álcool já passou de moda, agora os escritores encontram-se e conversam, trocam ideias e apoiam-se). Só precisam saber o que querem e esforçarem-se ao máximo para o conseguir.



Não quero com isto dizer que toda a gente começará da mesma forma, nem sequer que um adolescente não pode ou não tem a capacidade para escrever um bom primeiro livro. Não! O que quero dizer é que se não lermos e não gostarmos realmente de literatura, como podemos achar que conseguimos (ou temos o direito de) fazer com que os outros nos leiam e apreciem?

Um bom marceneiro não nasce de cinzel/formão na mão, nem um bom pintor sabe quais os melhores pincéis e as melhores tintas da primeira vez que os vê na loja de pintura. Então como pode um escritor querer escrever bem quando nunca apreciou realmente o que leu?



Vou então repetir o conselho dos mestres: Leia muito!

E acrescento mais um conselho que também é muito usual: Escreva muito!

E não desista. Se escrever realmente é uma paixão, não serão uns solavancos a deitá-lo ao chão. Não é preciso ter um livro impresso e encadernado para se sentir um escritor. Basta chegar ao “Fim” de uma história e sentir a alegria de completar algo e a tristeza de deixar o que tanto prazer lhe deu criar. Que melhor recompensa há?

15 comentários:

  1. ... e mulher também!
    Brincadeiras aparte, uma palavrinha de quem vai publicar agora (tenho 40 anos) o seu primeiro livro, através da Porto editora: perseverança e esperança. Ah, sim, são duas palavrinhas, pois é. Mas é assim. Escrevi os primeiros contos também na adolescência, mas para dizer a verdade só agora, ao ler este post, me lembrei deles. Acho que os suprimi (lol)! Estive muito anos sem tentar escrever nada, até que um dia, a propósito de nada e depois de aí um milhão de leituras, decidi experimentar, com o desafio: será que consigo levar uma história até ao fim? Escrevi trezentas páginas, de que ainda agora gosto. Depois desse, escrevi vários. o que vai ser publicado foi o primeiro de época e o mais pequeno de todos (cerca de 280 pág.). Depois deste já escrevi outro, que talvez ainda venha a ver a luz do dia, quem sabe. E tenho outro nas 100 páginas... Trabalho a tempo inteiro e estou a fazer doutoramento... estão a ver porquê a perseverança, não é? E método? Com tudo isto, não posso dizer que tenha, mas sugiro uma visitinha ao meu blogue, monsterblues. Tenho um post mais ou menos sobre isto (Reescrevedora). E acabei de escrever uma mensagem vergonhosamente longa, sem dizer que não, nem todo o homem pode ou deve escrever um livro, fazer um filho ou plantar uma árvore. O que cada homem deve fazer é ser feliz, do modo que quiser.

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  2. Também escrevi os meus primeiros livros na adolescência. Tive a felicidade de publicar um conto nos tempos de Faculdade. Leio muito, e nunca tive muito tempo sem escrever (mas tenho os meus momentos). E sempre que não escrevo, leio, leio, leio!

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  3. Carla, quando vai publicar o livro? Na altura da publicação, quer fazer um "Assuntos de Escrita" sobre esta experiência, para eu publicar aqui no blog?

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  4. O livro sai a 11 de Abril. Claro que participo, a não ser que a editora coloque obstáculos (não vejo porque havia de colocá-los, mas este mundo ainda é um mistério para mim...).
    Se a Olinda der um salto ao blogue... posso tratar-te por tu? Acho que aqui pelos blogues é o costume. :)
    No blogue (canto superior esquerdo) estão a capa, a data e a sinopse.

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  5. Carla, acho que quase todos escrevem os seus primeiros textos/poemas na adolescência. Ou não fosse essa uma idade rica em emoções e aventuras.
    Já li o teu post sobre reescrever e embora não seja particularmente fã de reescrever, sei que isso é algo absolutamente essencial na escrita e por isso faço-o quantas vezes for preciso.
    Muitos parabéns pela publicação e muito sucesso.

    Olinda, mais uma vez obrigada pelo convite. :)

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  6. concordo com o exposto, acho que é com perseverança que termina um livro, mesmo que tenha ganho paixão pela escrita.
    Deve-se ler muito antes de se sentir que deve escrever um livro, assim enriquecemos o que se escreve.

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  7. Vejamos o que alguns dos que são reconhecidos como "escritores" e que efectivamente escreviam (se bem que "escrever" e "ser escritor" não é a mesma coisa) achavam da literatura:

    «A escrita alfabética não é feita para os analfabetos mas pelos analfabetos; passa pelos analfabetos, esses operários inconscientes.» – Deleuze e Guattari, O Anti-Édipo, p. 216;

    «Que prazer ter um livro para ler e não o fazer» – Fernando Pessoa;

    «Renuncia aos livros, não te deixes distrair» – Marco Aurélio, Pensamentos para Mim Próprio, p. 21;

    «Vede o que puseram em cima da minha mesa! (…) Sim, um livro! Mas na realidade, não é senão um objecto artificial, vazio e oco. É um volume em couro de imitação: couro que não é couro e um livro que não é um livro. Não é senão papel! Vede o interior. (…) Não tem nada lá dentro, absolutamente nada! (…) Tenho medo de tudo o que tem uma aparência artificial. (…) Não existe nada pior do que a aparência que perverte no seu contrário toda a acção» – Kafka a Janouch, p. 194;

    «Só vivem as coisas que transportamos em nós. Tudo o resto é vaidade, nada mais que literatura, de que nada justifica a existência» – Kafka a Janouch, p. 70;

    «Da vida, podemos tirar bastante facilmente muitos livros; mas dos livros, tiramos pouco, bem pouco da vida» – Kafka a Janouch, p. 41;

    «O escrito não é mais do que as escórias do vivido» – Kafka a Janouch, p. 53;

    «A leitura faz-vos virar a cabeça! (…) Tentamos encerrar a vida nos livros, como as aves canoras dentro das gaiolas. Mas não conseguimos. Pelo contrário! O homem, à custa das abstracções livrescas, não constrói mais do que um sistema em forma de gaiola, onde se tranca ele próprio. Os filósofos não são mais do que Papagenos de costumes vários, cada um no interior da sua gaiola» – Kafka a Janouch, p. 30;

    «A desprezível mania de escrever livros» – Nietzsche, O Futuro das Instituições de Ensino;

    «A horrível e perversa mania de escrever muito» – idem;

    «Onde essa decadência se mostra numa medida maior e mais dolorosa é precisamente na literatura pedagógica» – ibidem;

    «Toda a escrita é porcaria. (…) Todos aqueles que têm pontos de referência no espírito, quer dizer, num certo lado da cabeça, em pontos bem localizados do seu cérebro, todos aqueles que são senhores da sua língua, todos aqueles para quem existe altitudes na alma, e correntes no pensamento, aqueles que são os espíritos da época, e que nomearam essas correntes de pensamento – penso nas suas tarefas exactas e nesse ranger de autómato que espalha por todo o lado o seu espírito -, são porcos» – Antonin Artaud, O Pesa-Nervos.

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  8. Quando tinha 15 anos também tentei escrever um livro (ainda no outro dia publiquei um post sobre isso), mas completei apenas um primeiro capítulo. Porque na altura apercebi-me que escrever um livro implica muita coisa, não apenas um discorrer de palavras com algum sentido. Hoje olho para trás e arrependo-me, porque talvez pudesse ter sido um primeiro passo para algo especial.
    Concordo com a Ana, quando diz que não é preciso ter um livro encadernado e publicado. O que importa é criar uma coisa a partir do nada e chegar ao fim...não deve haver maior satisfação. E talvez o que o dito popular pretende transmitir é precisamente essa ideia de criar algo durante a nossa existência.
    Também eu gosto imenso de ler, mas depois de visitar os vossos blogs e ver a quantidade de livros que vocês já leram em pouco mais de um mês desde que o ano começou...até tenho vergonha de me intitular de leitora compulsiva! E leio sempre que posso! Como é que conseguem lolol? :)

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  9. Quando tinha 15 anos também tentei escrever um livro (ainda no outro dia publiquei um post sobre isso), mas completei apenas um primeiro capítulo. Porque na altura apercebi-me que escrever um livro implica muita coisa, não apenas um discorrer de palavras com algum sentido. Hoje olho para trás e arrependo-me, porque talvez pudesse ter sido um primeiro passo para algo especial.
    Concordo com a Ana, quando diz que não é preciso ter um livro encadernado e publicado. O que importa é criar uma coisa a partir do nada e chegar ao fim...não deve haver maior satisfação. E talvez o que o dito popular pretende transmitir é precisamente essa ideia de criar algo durante a nossa existência.
    Também eu gosto imenso de ler, mas depois de visitar os vossos blogs e ver a quantidade de livros que vocês já leram em pouco mais de um mês desde que o ano começou...até tenho vergonha de me intitular de leitora compulsiva! E leio sempre que posso! Como é que conseguem lolol? :)

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  10. Quando tinha 15 anos também tentei escrever um livro (ainda no outro dia publiquei um post sobre isso) e cheguei a terminar um primeiro capítulo. Mas depois apercebi-me que escrever um livro implica muitas coisas, não basta um simples discorrer de palavras com algum sentido. Hoje olhando para trás, arrependo-me porque talvez pudesse ter sido o primeiro passo para algo especial.
    Também gosto imenso de ler, mas depois de visitar os vossos blogs e ver a quantidade de livros que vocês já leram em pouco mais de um mês desde que o ano começou...até tenho vergonha de me intitular de leitora compulsiva! E leio todos os dias! Como é que conseguem lol? :)

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  11. Carla, já fui ver!

    S. obrigada por vires aqui!

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  12. Olinda, como te disse no meu blogue, não há problema nenhum. Queres para quando? Agora, antes de sair o livro, ou depois de sair?

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  13. Sarah, um livro até pode ser mesmo um "discorrer de palavras com alguma sentido" como tu disseste. Quantos e quantos livros (até de bons e conhecidos escritores) não são isso mesmo?
    Depende é se tu achas que essas palavras valem a pena ser contadas (já nem falo em ser lidas, apenas contadas).
    Não precisas de fazer meses e meses de pesquisa, planos detalhados e mil e uma versão diferentes de uma história para que o resultado seja bom. Aliás, pode até acontecer que quanto mais pesquisares, mais planeares e mais reescreveres, menos bom seja o livro.
    Cada caso é um caso. Não há regras, apenas vontade.

    Quanto a ler muitos livros, lembra-te que o que conta é a qualidade e não a quantidade. Mais vale ler um livro Bom do que dez Fracos. :)

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