O tiro

Joan Miró,
The Escape Ladder, 1940
Estava num café com uns amigos. De pé, esperávamos por uma mesa. Era um daqueles cafés para adolescentes, cheio de barulhos e cores. O único aberto àquela hora. Um conjunto de televisões transmitia um mesmo filme. Um jovem rapaz, no meio da escuridão nocturna, grades e vedações de arame farpado, fugia de militares que o perseguiam. Atiraram sobre ele, e o rapaz manda a mão ao pescoço, onde tinha sido atingido. Olha-a ensanguentada e morre de seguida.
Sempre que via filmes de guerra ficava impressionada e sentia um formigueiro no pescoço. Mandei a mão.
- Hei! Passa-se alguma coisa?
Não, nada. Apenas o de sempre. Retiro a mão e olho para ela. Vinha ensanguentada. Olhei para os meus amigos. Vi os seus olhos assustados. Voltei a olhar para a minha mão. Ensanguentada. Depois, aos poucos, as cores passaram a cinzento. Cresceu um nublado negro nos meus olhos. Deixei de ver. Deixei de sentir. Deixei de pensar…

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