Assuntos de Escrita - O que pode dizer um rapaz normal com quase nenhuma experiência na área sobre a nobre arte da edição - Carlos Silva

Assuntos de Escrita é uma rubrica deste blog que conta com a colaboração de outro blogger para nos falar de um assunto relacionado com a escrita. Este mês foi convidado Carlos Silva, autor do blog: Abracadabra. Tem textos publicados em diversas publicações (ver aqui), e-books disponibilizados gratuitamente (aqui) e ainda o romance Urbania em formato digital. É ainda editor da revista Lusitânia.

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O que pode dizer um rapaz normal com quase nenhuma experiência na área sobre a nobre arte da edição
por Carlos Silva

 Há cerca de um ano atrás surgiu-me uma ideia: criar uma publicação amadora que visasse o incentivo da criação de literatura especulativa de raízes portuguesas. Não histórias que apenas se passassem em Portugal, ou que as personagens tivessem nomes portugueses, mas que o leitor ao se debruçar sobre elas sentisse que se estava a falar deste rectângulo a oeste da Europa.
 Foi assim que surgiu a Lusitânia. Uma publicação que reúne uma antologia de contos que teve tanto sucesso que neste momento estamos a trabalhar para organizar uma nova a sair ainda este ano. Tal como agora, abrimos concurso público para que todos os escritores em língua portuguesa pudessem enviar as suas propostas (se quiserem participar com um texto ou arte gráfica vejam aqui como: http://revistalusitania.blogs.sapo.pt/702.html) e foi aí que a porca torceu o rabo.
 Foi ao sentar-me para ler as dezenas de textos submetidos que pude olhar para os confins do abismo negro do mundo editorial. Ainda que o meu olhar só conseguisse penetrar nos primeiros metros brumosos, o que lá vi marcou a minha perspectiva sobre o assunto. Imaginem-me então, defronte ao browser, com uma caneta numa mão, um bloco de post-its na outra  e uma pergunta na cabeça: Quais serão os critérios pelos quais decidirei a inclusão de um texto ou não?
 À primeira vista, parece um problema de solução simples. Escolhe-se pela qualidade literária, pois claro! Será assim tão claro? É óbvio que a qualidade literária é o factor mais importante, especialmente num projecto da natureza da Lusitânia (arrisco-me a dizer que o factor mais importante para uma editora comercial é a vendibilidade da obra). Primeiro de tudo, o texto tem de estar bem escrito. Se um ou outro erro tipográfico é desculpável, já frases mal construídas a torto e a direito é um passo directo para a rejeição. Em segundo lugar, talvez uma das maiores influências do Carlos leitor no Carlos editor, dou muita importância à história que está a ser contada. O tema é interessante? A história tem conteúdo? Se sim, o autor soube aproveitar bem o conteúdo da história?  De nada importa se a personagem tem uma infância trágica se isso não for explorado de modo algum. Perdoem-me o classicismo, mas uma história tem de estar pejada de pathos. Claro que se pode escrever uma história excelente sobre um homem a lavar meias sem que nada aconteça de interessante. É possível, agora ser provável encontrar uma pérola dessas... Ainda dentro da qualidade literária gostaria de falar de como a história é contada. Pode-se ter um tema interessante, bem explorado, mas cuja linguagem ou ritmo não fazem jus ao que se quer transmitir. Não há receitas perfeitas. Há contos que pedem uma linguagem mais lírica, outros mais directos, uns que começam com um ritmo alucinante, outros que só têm a ganhar com um final calmo. A todos os escritores: vejam bem o que a história pede e escolham as palavras, o comprimento das frases, a pontuação e as figuras de estilo que mais a enriqueçam. Não se fiem em fórmulas feitas.
 Lidos os contos todos e feita a triagem pela sua qualidade (que invariavelmente é algo subjectivo e, por mais que se tente fugir, é feito por comparação de uns com os outros) sobra-nos ainda um mundo inteiro de factores que é preciso ter em conta. Podemos ter muitas flores bonitas, mas isso não equivale a um bonito ramalhete. Por via da natureza do projecto, na Lusitânia, uma das coisas que há a ter em atenção é o enquadramento no tema. O texto até pode ser bom, mas se não reflectir a temática que a revista quer incentivar a explorar, não podemos incluí-lo, estaríamos a trair o nosso objectivo. No entanto, com esta abordagem é também preciso cuidado para evitar cair no lado oposto da questão. Longe de nós querer publicar textos que pareçam carros alegóricos ou caricaturas.
 Outro factor é a questão da originalidade. Se em alguns casos funciona bem, noutros é um pouco decepcionante abrir uma antologia e todos os textos serem sobre o Vasco da Gama ou passados na idade média. É algo que na Lusitânia tentamos escapar e que já nos fez escolher um texto em detrimento de outro.  Uma das coisas que reparámos na primeira vaga de submissões, foi uma grande de quantidade de textos em contexto rural ou no passado, denotando que ainda há alguma resistência ao conceito de ficção especulativa contemporânea e/ou urbana. Talvez seja pela maioria dos media a que temos acesso, relacionados com fantasia e Portugal em simultâneo, sejam o recontar de lendas do nosso folclore.
 Por fim, gostaria apenas de focar ainda mais um ponto, um pouco afastado da escolha dos textos, mas ainda dentro da temática. Quando se edita algo num objecto físico, as limitações do próprio objecto (e orçamento para o produzir) acabam por influenciar os textos. Quando se criou a Lusitânia, um dos objectivos foi criar uma boa razão de preço/benefício. Trocando por miúdos, queríamos fazer algo barato e bom. Daí lutarmos para o produto final rondar os 2€. Ora, isso limita o espaço disponível para textos e querendo nós uma diversidade de textos moderada em cada número, acaba por limitar o número de caracteres máximo para cada texto. Daí sermos maçadores com o limite superior de palavras. Só por razões excepcionais poderemos aceitar um texto com o dobro dos caracteres pedidos (claro que se passarem um bocadinho ninguém olha). Curiosamente, ainda não recebemos nenhuma submissão em formato de micro-conto.
 É com estas considerações todas que nos debatemos cada vez que temos de seleccionar textos. Porém, considero que é algo muito positivo para o meu crescimento pessoal enquanto leitor, escritor e editor. O fim do prazo para a segunda vaga de textos é dia 31 de Maio e mal posso esperar para aplicar tudo o que aprendi com a edição da antologia anterior para conseguir um ainda melhor produto final. Ah, sim…porque nós não nos limitamos a dizer sim ou não aos autores. Independentemente de a resposta ser positiva ou negativa, tentamos dar sempre a nossa opinião e sugestões de melhoria, para que os autores possam crescer connosco nesta grande aventura que é a Lusitânia.

2 comentários:

  1. A Lusitânia é um projecto interessante e é bom saber que continua a andar!
    É sem dúvida uma experiência interessante da parte de quem está por detrás da publicação, que de certeza que dá muito trabalho, mas que permite uma grande aprendizagem.

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  2. Um artigo muito interessante. Ainda não tinha lido nada sobre a experiência do Carlos enquanto editor e acho que os pontos que ele apontou são bastante lógicos.
    Gostei!

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