Fazia-lhe falta uma musa


Ah! Inspiração, talento, criação… Às vezes pareciam-lhe coisas dos poetas de antigamente. Sim, daqueles que tinham vidas excitantes e preenchidas, ilusão nossa provavelmente. Mas sabia-lhe bem se tivesse uma vida dessas. Se tivesse tempo de ir a cafés literários (ai, que hoje parecem nem existir!), poder beber e fumar sem sentir culpa, poder conhecer e amar mulheres (talvez aí encontrar a sua musa inspiradora), sem ser acusado de boémio, mulherengo e debochado.
Coisas que se sonham, não é?
Em vez disso, a sua vida era repleta de despertadores madrugadores, filas de trânsito, empregos aborrecidos em frente ao ecrã de um computador. Talvez fosse por isso que não conseguia escrever no computador, assim que chegava a casa e punha no micro-ondas uma refeição pré-feita. Experimentou uma máquina de escrever antiga e não deu resultado. Experimentou o lápis e a caneta diretamente no papel, e nada.
Às vezes pensava que lhe faltava uma musa. Não daquelas da antiguidade, mas sim uma bem moderna. Com seios fofos, ancas aconchegantes e cabelo cheiroso. Uma série de lugares comuns, está certo, mas, pensava neles como um facho de alegria que a sua vida poderia ter, e sentia-se imediatamente desanimado.
Havia anos que não conseguia escrever. Enquanto estudante a poesia saíra-lhe tão fluentemente. Sentia-se a crescer, chegou a ter elogios dos professores na Faculdade, ganhou uns dois prémios literários e publicou em revistas de poesia.
Mas depois começou o trabalho, os despertadores e as filas de trânsito. Perdera as aventuras amorosas que anteriormente conquistava, e perdia-se agora no desejo por uma companheira. A sua musa que lhe devolveria a capacidade poética.
Mas por onde andava não havia mulheres que se encantassem nele. Não as encontrava nas filas de trânsito, nem no ecrã do computador, nem na secção dos congelados do hipermercado.

7 comentários:

  1. Gosto do tom contemporâneo. Mas nem sempre consigo

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  2. Coitado do moço.
    Condenado a uma escrita insípida.
    Mais a sua vida.

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  3. Infelizmente, há muito quem tenha vidas insípidas.

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  4. A vida dos dias de hoje, dá mtas vezes nisto, quer-se e não se apanha!

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  5. estamos sistemática e irremediavelmente presos a grilhetas sociais que nos castram, não só a liberdade, como a inspiração :)

    Muito bom, sejas bem vinda à Fábrica de Histórias :)

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